segunda-feira, 6 de julho de 2020

Balanço do ano de 2019 apresentado pela Câmara de Vereadores de São Paulo não reflete adequadamente a realidade patrimonial do Legislativo, aponta auditoria do TCMSP

Na fiscalização, que teve por objeto a prestação de contas de 2019, também foram identificados indícios de utilização irregular da verba de gabinete pelos Vereadores


No começo de julho, o mundo dos negócios foi sacudido pela descoberta de fraudes contábeis que alavancaram irregularmente os balanços da empresa alemã Wirecard em R$ 1,9 bilhão de Euros (cerca de R$ 12 bilhões de reais). O caso levou as ações da empresa a caírem 98% e resultou na prisão do CEO Markus Braun, além de colocar em xeque a governança corporativa e a regulamentação do setor de tecnologia alemã. 

Como se percebe, as demonstrações financeiras das grandes corporações privadas, sobretudo aquelas com capital aberto, detêm significativa relevância para uma parcela dos usuários, com destaque para os investidores, que desejam obter segurança de que a corporação empresarial onde seu capital está alocado é sólida, propicia retorno econômico e terá continuidade. Essa segurança deve ser fornecida por uma parte independente, papel exercido pela auditoria. 

No setor público o maior investidor do governo é a sociedade, a qual deseja saber se os tributos que recolhe são bem aplicados, quais foram os efeitos da gestão a cargo dos governantes no aparato estatal e se haverá necessidade de ampliação do financiamento, o que a afetará diretamente. Os próprios administradores públicos também extraem dados preditivos importantes das suas contabilidades, o que sustenta suas decisões voltadas ao futuro. Além disso, os órgãos de controle analisam os balanços e demais relatórios contábeis, com o foco de avaliar a lisura no trato do patrimônio público e a sua correta representação, buscando reduzir a assimetria informacional característica do modelo “governante x governado”. 

Embora devesse ser a maior interessada nas informações financeiras divulgadas pelos governos, a sociedade ainda desempenha papel tímido no controle estatal. Daí ser indispensável a atuação dos Tribunais de Contas, órgãos constitucionais autônomos que possuem a missão de fiscalizar o bom e regular emprego dos recursos públicos pelos governantes, reduzir a mencionada assimetria informacional entre governo e sociedade, além de formular recomendações e determinações que contribuam para o aprimoramento da máquina pública e para evitar desperdícios e erros. 

A ocorrência de erros, aliás, não é incomum quando se trata dos balanços públicos. É isso que revela uma auditoria realizada pelo TCMSP, que resultou em parecer técnico adverso sobre as contas de 2019 da Câmara Municipal de São Paulo. A Associação dos Auditores do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (AudTCMSP) obteve acesso ao relatório integrante do processo eTCM 001428/2020 por meio de solicitação à Ouvidoria da Corte de Contas paulistana. Destaca-se que o processo se encontra em fase de instrução, não tendo sido levado a julgamento, e a deliberação sobre o mérito das questões apontadas é de competência privativa do Colegiado. 

De acordo com os auditores do TCMSP, as demonstrações contábeis de 2019 da Câmara não apresentam, quando analisadas em conjunto, uma visão correta e adequada da sua posição financeira. Diversas impropriedades foram identificadas: o Legislativo paulistano divulgou que seus imóveis valiam R$ 135 milhões, quando na verdade, totalizam R$ 166 milhões, segundo laudo elaborado pela área técnica competente da Prefeitura de São Paulo (a CGPATRI/SEL). O ponto de partida para que os auditores chegassem a essa conclusão foi a verificação de que não houve nenhum registro de depreciação dos edifícios da Câmara em 2019, ou seja, o valor contábil dos imóveis apresentava os mesmos números no início e no final do ano. 

Outra constatação da equipe de auditoria foi a divulgação contábil dos intangíveis (softwares utilizados pela Câmara) em valor muito menor do que o correto. Nesse caso, a diferença foi de R$ 29,5 milhões e decorreu de tratamento indevido de tais ativos como despesa, associado à amortização sem critérios adequados de licenças de uso perpétuas. Somada à diferença dos bens imóveis, o ativo total apresentado pela Câmara, divulgado como R$ 244 milhões, alcançaria R$ 304 milhões, aproximadamente 25% acima da posição patrimonial relatada pelo Legislativo. 

Uma distorção detectada pela auditoria de menor impacto no balanço, mas que enseja providências da administração da Câmara, se refere a 800 bens patrimoniais inexistentes que aparecem no balanço da entidade, ao montante de R$ 92,4 mil. O TCMSP recomendou que a Mesa Diretora do Legislativo seja provocada pelo setor de controle patrimonial, objetivando instaurar sindicâncias destinadas a apurar a responsabilidade dos servidores que detinham a guarda destes bens. 

Além das impropriedades na representação contábil do patrimônio da Câmara de Vereadores, os auditores do TCMSP relataram indícios de irregularidades na utilização da verba “Auxílio-Encargos Gerais de Gabinete”. Instituída pela Lei Municipal 13.637/03, a verba é disponibilizada mensalmente a cada Gabinete de Vereador, Lideranças de Governo e Representações Partidárias, e é destinada a ressarcir despesas inerentes ao exercício da atividade parlamentar. Em 2019, o gasto total foi de quase R$ 14 milhões. 

Entre os problemas relatados pelos auditores estão despesas com aluguéis de computador que excedem o custo de aquisição de um equipamento novo (caracterizando despesa antieconômica), impressão de boletins informativos e gastos com desenvolvimento de sites nos quais constam a imagem dos Vereadores (o que é vedado pela Constituição Federal) e reembolso de despesas com criação de site na internet cujos links não funcionam ou estão sem qualquer conteúdo. 

O relatório completo da auditoria do TCMSP pode ser acessado AQUI.

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